De um lado, pressão de custos com o encarecimento de matéria-prima, mão de obra e transporte. Do outro, a difícil negociação com o varejo, que não aceita reajuste na tabela de preços com receio de perder vendas. Essa tem sido a rotina constante de muitos empresários do setor industrial num ambiente de inflação elevada. “Costumo dizer que somos o recheio do sanduíche”, diz Angelica Potomati, presidente da fabricante paulista de tintas Lukscolor. Na terça-feira 8, o IBGE divulgou que o IPCA acumulado em 12 meses atingiu 6,52% em junho, ultrapassando o teto da meta pela 11ª vez no governo Dilma Rousseff.
Mais preocupante, no entanto, é a constatação de que a inflação de serviços, inclusive aqueles contratados pelo setor produtivo, acumula alta de 9,20%. “Nossas margens estão sendo muito encolhidas e o comércio não aumenta o preço porque o consumidor não vai pagar”, afirma Angelica. O estouro de junho ganhou as páginas da imprensa internacional e obrigou a fabricante catarinense de lingerie 2Rios a prestar contas a clientes estrangeiros sobre a expectativa futura de preços. Preocupada, a direção de uma rede de revenda da marca, no Uruguai, que compra do fornecedor brasileiro há mais de dez anos, queria saber como ficaria a tabela de preços depois do resultado ruim da inflação no mês anterior.
“Surgiu a pergunta na reunião: ‘como ficará o valor dos produtos?’”, relata Matheus Fagundes, vice-presidente da 2Rios. “ Nossos clientes ficam atentos à questão de inflação e câmbio.” A fabricante de lingerie é uma das poucas companhias nacionais que restaram na carteira de clientes dos uruguaios. A maior parte foi trocada por produtores asiáticos, que normalmente oferecem mercadorias mais baratas. “Sempre que chegamos com aumento de preços, acaba sendo um tiro no pé da exportação”, afirma Fagundes, que tenta evitar o repasse dos custos.
Cada vez que a inflação fica acima da meta, como em junho, os ânimos se acirram entre a indústria e o comércio. “É um duelo de titãs”, diz Claudio Felisoni, presidente do Conselho do Programa de Administração de Varejo da Fundação Instituto de Administração (Provar-FIA). “Cinco grandes redes concentram 70% do mercado varejista, mas a indústria de bens de consumo também é concentrada.” Nessa disputa, os importados se transformam em moeda de troca dos lojistas na hora de tentar conter pedidos de reajustes dos fabricantes.
“É fato que, ao ter essa possibilidade de importação, você consegue dificultar a ânsia do fornecedor nacional na recomposição de margem”, diz Edmundo Lima, do conselho diretor da Abvtex, associação do varejo têxtil que representa as maiores redes do país. De acordo com a entidade, os produtos têxteis estrangeiros representam quase 14% do total vendido no varejo. No setor calçadista, o quadro não é diferente, com uma invasão asiática a preços baixos, segundo o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein.
“No momento em que enfrentamos índices altos de inflação, a nossa situação fica ainda mais difícil”, diz o executivo. O barateamento do dólar, que estimula as importações, vem sendo uma das principais armas do governo no combate ao avanço dos preços. A atuação do Banco Central no mercado cambial ajuda a manter a moeda próxima de R$ 2,20. Sem a interferência, estaria entre R$ 2,35 e R$ 2,40, calcula a Tendências Consultoria. Em contratos mais longos, como o de seis meses negociado pela fabricante calçadista gaúcha West Coast, o estrago recai sobre o caixa da indústria, que perde margem por ter subestimado a inflação para o período.
“Caso a inflação fique acima do previsto, simplesmente perdemos”, diz Eduardo Scheffer, diretor da West Coast. Já para o setor de material de construção, os custos relacionados aos serviços, incluindo mão de obra e transporte, não param de crescer. “Temos dificuldade de repassar esses custos num mercado retraído”, diz Walter Cover, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat). Desde janeiro, as expectativas de inflação estão em alta. Reajustes de energia acima do esperado jogam areia nos esforços do governo de cumprir a meta oficial e elevam as chances de um estouro no fim do ano, como ocorrido nos anos de 2001, 2002 e 2003.
O Banco Central estima em 48% as chances de isso acontecer. Pelos cálculos da Tendências Consultoria, só haverá uma trégua no fim do ano, quando o IPCA deve cair para 6,30%. Mas, mesmo que a meta seja cumprida, as notícias atuais contribuem para uma espiral inflacionária, pois induzem os empresários a fixar reajustes em níveis exagerados para evitar perdas, o que acaba alimentando o dragão. “Inflação acima da meta ao longo do ano é um sinal de deterioração das expectativas e pode acarretar uma maior indexação da economia”, afirma a analista Adriana Molinari, da Tendências. A volta da inflação acima da meta em junho é um trailer para mais um filme de terror que acaba de começar.
O próprio BC só vê o índice retornando para menos de 6% em 2016. Até lá, o duelo ao longo da cadeia produtiva, que vai até a ponta do consumo, deve continuar. “É uma briga por margem”, diz Eugenio Foganholo, diretor da Mixxer, consultoria especializada em varejo e indústrias de bens de consumo. “Ninguém ganha com o jogo da inflação: o fornecedor não ganha, o varejista não ganha e o grande perdedor é o consumidor final.” Com a experiência de quem comanda mais de 700 lojas, que contabilizam um faturamento anual de R$ 10 bilhões, a empresária Luiza Trajano, do Magazine Luiza, ensina como sair dessa armadilha. “Estou unida com a indústria para não aumentar o preço”, diz.
Colaborou: Luciele Velluto