Após mais de 15 anos de debates, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu ontem que o ICMS não compõe a base de cálculo da Cofins. A discussão bilionária foi definida por sete votos a dois. Os ministros, porém, deverão voltar a se debruçar sobre o tema.
Apesar do entendimento favorável aos contribuintes, a decisão tomada ontem vale apenas para a autora do processo – a empresa Auto Americano Distribuidor de Peças. A última palavra deverá ser dada pelos ministros após a análise de um processo envolvendo a companhia Imcopa – Importação, Exportação e Indústria de Óleos, que será analisado em repercussão geral, e uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC) proposta pela Advocacia – Geral da União (AGU).
O assunto tem grande repercussão econômica. Os últimos cálculos da Receita Federal indicam impacto de R$ 250 bilhões aos cofres públicos caso o entendimento definitivo seja favorável aos contribuintes. Anteriormente, entretanto, em dados apresentados ao Supremo a AGU estimava impacto anual de R$ 12 bilhões. Já o relatório “Riscos Fiscais”, da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015, vincula ao período entre os anos de 2003 e 2008 o montante de R$ 89,4 bilhões.
O julgamento de ontem foi iniciado pelo voto do ministro Gilmar Mendes, que julgou de forma favorável à Fazenda Nacional. Para o magistrado, o ICMS compõe o faturamento – base de cálculo da Cofins – e não existe lei que proíba a incidência de tributos sobre outros tributos.
Mendes demonstrou ainda preocupação com a cifra de R$ 12 bilhões. Durante o julgamento, o ministro afirmou que uma decisão favorável aos contribuintes acarretaria “expressivas perdas para manutenção da seguridade social”.
Já o ministro Celso de Mello, que também votou ontem, seguiu a maioria dos ministros, e o placar final ficou em sete votos a dois. Segundo o advogado Antonio Carlos Gonçalves, do Demarest Advogados, o entendimento vencedor é o de que o imposto não entraria no faturamento.
O recurso começou a ser julgado em 1999. Com a possibilidade de derrota, a Advocacia-Geral da União propôs, em 2007, uma ADC tratando do mesmo tema, o que fez com que o caso da Auto Americano ficasse parado.
No começo da sessão de ontem, os ministros debateram qual deveria ser a ordem de julgamento das ações. A Fazenda Nacional pediu que o processo da Auto Americano fosse retirado de pauta para que fosse julgada antes a ação da Imcopa, que teve repercussão geral reconhecida.
Os ministros, entretanto, rejeitaram o pedido. “Não me parece adequado simplesmente desconsiderar votos já proferidos [no caso da Auto Americano]”, afirmou o ministro Celso de Mello. Também foi rejeitada uma proposta do magistrado para que o caso da empresa fosse julgado como repercussão geral.
Para o advogado Roque Antonio Carrazza, que defende a Auto Americano, o julgamento de ontem é um precedente importante para os contribuintes. “A decisão nos agrada, apesar de operar efeitos apenas no caso concreto”, afirmou.
Baseado no resultado de ontem, espera-se que pelo menos quatro ministros – Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia e Celso de Mello – votem de forma favorável aos contribuintes no recurso com repercussão geral. Outros cinco magistrados – Teori Zavascki, Luiz Fux, Dias Toffoli, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso – ainda não se posicionaram, e o ministro Gilmar Mendes já declarou voto favorável à Fazenda. “Nós vamos requerer a aplicação desse precedente na repercussão geral”, afirmou o advogado da Imcopa, André Martins Andrade, do Andrade Advogados Associados.
Os advogados tributaristas ficaram surpresos com o julgamento de ontem do Supremo. “Essa atuação é inédita: proclamar o resultado de uma discussão e rediscutir o caso por conta de uma repercussão geral”, disse Maurício Faro, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão. Para o advogado, o ideal seria que essa ação fosse declarada como de repercussão geral. “Isso não faz muito sentido, já que o STF já julgou o tema.” Contudo, os ministros levaram em consideração que esse processo já estava tramitando há mais de 15 anos na Corte.
Agora, no entanto, não se sabe se o STF deve julgar o recurso em repercussão geral ou a ADC. Para Faro, a tese é uma das que têm maior repercussão para as empresas, mas ainda há grandes chances de que o resultado seja favorável aos contribuintes.
O advogado João Agripino Maia, do Veirano Advogados, também acredita na vitória dos contribuintes. Até porque um julgamento em sentido contrário, segundo o advogado, poderá gerar diferença na carga tributária de mercadorias nacionais e importadas. O STF, lembra, excluiu da base de cálculo do ICMS o PIS e a Cofins Importação. “Se decidirem pela incidência dos ICMS agora, a mercadoria nacional terá uma carga tributária maior. Esse sistema não pode criar nenhum tipo de privilégio”, afirmou. (Colaborou Adriana Aguiar)
Fonte: Valor